Trecho de Se Abrindo Pra Vida, de Zibia Gasparetto
– Desde que começamos a conversar, você só se queixou. Acha que isso vai resolver problemas?
– O que acha que posso fazer se tudo dá errado?
– Poderia tentar fazer alguma coisa melhor.
Jacira meneou a cabeça negativamente:
– Acha que gosto de me queixar? Que faço isso por esporte?Ainda não entendeu que sou uma pessoa sem sorte para quem tudo dá errado?
– Isso não é verdade. Você é quem procura o lado pior. É bom saber que as palavras têm força. Você está mergulhada na queixa e não percebe as oportunidades boas que a vida lhe dá.
– Eu nunca tive uma boa oportunidade. Só me acontecem coisas ruins. Sem dinheiro, sem amor, só faço obedecer. Em casa aos meus pais, no trabalho aos meus chefes.
– E quando é que você faz alguma coisa que lhe traz alegria?
Ela sentia que estava no limite de suas forças e precisava esforçar-se para não reagir e gritar toda sua raiva. Por que ela precisava pensar em tudo dentro de casa? Por que o pai, que ficava o dia inteiro sem fazer nada, não podia levantar ou ir buscar pão? Por que sua mãe, que não tinha nenhuma doença, não levava a louça do jantar e deixava tudo para ela?
Revoltada, Jacira revirou-se na cama e desejou sumir, ir para longe, como fizeram os irmãos. Apesar desse desejo acariciado havia tanto tempo, no fundo ela sabia que nunca teria coragem de abandonar os pais. O que seria deles se ela fosse embora? Morreriam de fome, com certeza.
– Eu me sacrifico pelos meus pais e eles nunca e agradecem, só criticam. Minha mãe diz que e sou feia, quando me arrumo um pouco melhor, que pareço uma prostituta. Eles são ingratos, não reconhecem meu esforço. Isso me entristece muito. Às vezes tenho vontade de sumir, ir para longe. Mas falta coragem.
– Se eles a tratam dessa forma, a culpa é sua, não deles.
Jacira olhou-a admirada:
– Minha? Eu faço tudo para eles e a culpa é minha?
– Você não sabe se colocar. Se faz tudo que eles querem como é que eles vão saber até onde podem ir? Você não coloca limites e eles acham que podem abusar.
– Devo esclarecer que eu já tive um ateliê antes, mas fracassei porque não sou boa nas contas. Freguesas nunca faltaram, mas eu não avaliava bem o trabalho, tinha vergonha de cobrar e fazia tudo barato.
– Se você pretende abrir novamente seu negócio, o primeiro passo é valorizar seu trabalho. Quando você não valoriza adequadamente o que faz, acaba cortando seu sucesso. Para progredir terá de colocar um preço justo, onde você possa ter dinheiro suficiente para manter uma vida confortável, com tudo o que tem direito.
As duas olharam admiradas, e Margarida argumentou:
– Eu sinto que fracassei por não saber lidar com dinheiro. Meu pai, quando eu era criança, dizia que o dinheiro é perigoso porque abre a porta de todas as tentações. Eu tinha medo de que as clientes me julgassem uma mercenária. Queria provar que eu era uma boa pessoa e não ligava para dinheiro.
– O dinheiro não é culpado pelo mau uso que alguns fazem dele. Quando bem utilizado pode proporcionar coisas muito boas. É o caso das grandes fortunas que se interessam em contribuir para a melhora da sociedade, auxiliando nas pesquisas que aliviam o sofrimento humano, dando oportunidade de emprego para as pessoas, possibilitando as grandes conquistas de progresso.
Eles subiram e Jacira acompanhou-os com o olhar. Ela também gostaria de encontrar um amor. Desejava sentir essa emoção maravilhosa que causa tanto prazer. Seu relacionamento com Nelson não lhe proporcionara esse sentimento.
Reconhecia que seu aparecimento servira apenas para que ela descobrisse que poderia encontrar alguém que a amasse de verdade, Estava com quarenta e três anos e nunca havia amado. Intimamente se perguntava se aconteceria um dia.
"Durante anos vivi me recriminando até que com a ajuda de dedicados amigos espirituais descobri que, mesmo que eu tivesse feito o que John queria, não teria podido evitar certos fatos, que tiveram origem em nosso passado. Senti que enquanto não fizesse alguma coisa por mim e procurasse melhorar, não poderia ajudar o que eu amava.
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