sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Mas o que é que estou fazendo da minha vida?!


Mas o que é que estou fazendo da minha vida?!

Quando Honoré de Balzac escreveu A Mulher de Trinta Anos, em 1831, mal podia imaginar duas coisas: que se tornaria um clássico e estava lançando moda. Ao retratar o perfil e os costumes das trintonas do século XIX, ele definiu que as mulheres dessa idade são mais fortes, mais experientes e mais escoladas. Diferentemente das mais jovens, que ainda davam os primeiros tropeços nas coisas do coração, as mulheres de 30 anos seriam um referencial de segurança e maturidade. 
As balzaquianas, como vieram a ser chamadas mais tarde, entenderam que a chegada da terceira década era como um portal para um mundo totalmente diferente. O problema é que os tempos modernos trataram de dar um novo sentido a essa história. Para muitas mulheres – e para alguns homens também - é preciso chegar aos 30 com pelo menos uma boa parte da lista de sonhos realizada. Em outras palavras, é a hora em que muita gente se pergunta: "Mas o que é que estou fazendo da minha vida?!" E, quando se nota que a maioria dos objetivos não foi alcançada, o resultado disso é um só: crise.
Em geral, a preocupação com a chegada dos 30 é maior entre a ala feminina. Tudo por causa das cobranças da sociedade. "Uma jovem de 20 e poucos anos já deve estar formada, pronta para se lançar a qualquer momento na cruel competição do mercado de trabalho. Aos quase 30, já deveria estar casada, com filhos e em uma posição de destaque na empresa onde atua. A mulher de 30 tem que estar um fenômeno: resolvida, repleta de metas alcançadas e muito bem-sucedida", comenta a psicanalista Beth Valentim, autora dos livros Essa Tal Felicidade e Mequiel – O Caçador de Sonhos.
_cobranças e mais cobranças
Entre as perguntas mais ouvidas pelas mulheres à beira dos 30, eis as que mais incomodam: "Ainda não casou?", "Por que não teve filhos ainda?", "O que você pretende fazer do futuro?", "Qual a sua posição na empresa?". Na opinião da psicanalista, é como se a mulher de 30 não tivesse mais direito à liberdade. "Se 'fica' com outros homens, é imatura; se faz sexo casual, é promíscua. É lógico que ela deve se preparar para ter 40 um dia. Se não fizer tudo direitinho, o que será dela?", ironiza.
Apesar da pressão, engana-se quem pensa que a chegada dos 30 é uma espécie de passaporte mágico para a vida adulta. Segundo o psicólogo e sexólogo Cássio dos Reis, esse caminho começa muito antes. "A vida adulta já deve estar operando a todo vapor desde os 20 anos, no mínimo. Como um marco, chegar aos 30 pode representar um repensar da vida, das experiências, dos sucessos e dos insucessos. Isso, sim, é significativo, como forma de se reprogramar para o que vem pela frente."
Mas por que a mulherada sofre mais com essa idéia do que os homens? Além das cobranças da sociedade, que determinam montes de responsabilidades, pesa um outro fator importante: o tempo biológico. "A mulher, para gerar um filho, precisa estar com os objetivos bem orientados na busca do projeto de vida. Para o homem, o tempo não faz grande diferença nesse quesito. A idade não é limitante para que ele possa ser pai", diz Reis.
_crise? Só daqui a dez anos Por falar em homens, o que eles pensam do assunto? "As pessoas entram em crise porque instituiu-se essa idéia dos 30 anos. Antigamente, as mulheres eram senhoras aos 17, 18 anos, e aos 30, já eram avós. Um homem era senhor aos 30, enquanto hoje se é senhor aos 50 e tantos. Nós só vamos estendendo a adolescência", opina o designer gráfico Fabio Tadeu Pacheco, 28 anos. Para ele, os 30 não são tão diferentes dos 20 ou dos 18. "O que mais se vê é gente casando depois dos 40, tendo filho aos 30 e poucos e agindo como se a adolescência tivesse acabado de chegar à soleira da porta", diz. O publicitário Rafael Machado, 35 anos, concorda em parte. "Não é que o homem fique só na brincadeira até os 30. É que, para ele, o momento de se preocupar mesmo é após os 40", afirma.
Cássio dos Reis explica o motivo: "Para os homens, a chegada aos 30 também traz um repensar da vida, como alguma coisa que está acontecendo e que ele precisa objetivar mais, na vida pessoal, profissional e, principalmente, na afetiva. A chegada dos 40 anos é outro momento de maturidade e desenvolvimento e, para o homem, talvez seja uma idade que realmente o faz refletir melhor sobre seu projeto de vida."
_visão crítica Não há como negar que essa história de crise dos 30 é bastante propagada pela mídia. Não fosse assim, não haveria tantos artigos sobre o tema, tantos cosméticos e tratamentos estéticos voltados às recém-balzaquianas, nem o seriado Sex & The City – que, aliás, incomoda muita gente. "Deus me livre acabar como as personagens desse seriado! Só o que elas fazem é correr atrás de homem e viver cheia de neuras!", critica a produtora Amanda Guimarães, de 25 anos.
Futilidades à parte, muitos veículos têm levado um pouco de reflexão a quem vai chegar a essa idade. "São conceitos que podem influenciar o comportamento como um todo. É a maturidade exigida no imediato”, ressalta Reis. Apesar da quase "obrigação", imposta também pela mídia, as mulheres têm conseguido se virar bem. "As mudanças de comportamento exigem da mulher uma adaptação melhor a uma nova fase da vida, em que ela é, normalmente, mãe, esposa, amante e profissional. Ela sabe de seus limites, mas também aprende a cobrar mais dos homens e a se posicionar diante dos inúmeros desafios da vida. Essa é uma grande vitória", afirma Beth Valentim.
Com ou sem pressão da mídia e da sociedade, não resta dúvida de que a crise dos 30 pode se tornar uma experiência positiva. Afinal, a essa altura do campeonato, a vida já nos ensinou muita coisa. Repensar o que está errado ou o que falta mudar é só o primeiro passo – antes ou depois do aniversário. Os acertos vêm com o tempo.

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