Infelicidade (análise psicológica)
“Se seu coração é tão vasto, o porque de tantas inseguranças e complicações em sua mente; e se sua mente é tão profícua, o porque de seu lado emocional estar tão rebaixado?” - ANTONIO CARLOS PSICÓLOGO.
Este tema, assim como a morte são os verdadeiros tabus de nossa era. Todos querem é com certeza mascarar a infelicidade e nunca admiti-la. Isto se deve ao fato de todos terem percebido que o maior dos infernos nunca foi à escolha errada, mas simplesmente estar preso ou em dívida com a mesma. Todos também sabem que o oposto, a felicidade, é um estado absolutamente transitório, variando de um simples desejo momentâneo, ao ápice do lado amoroso. A infelicidade vem ao encontro de nossa vida já nos períodos mais remotos de nosso desenvolvimento, quando sentimos não apenas que não fomos amados por nossos pais, mas principalmente pela falta de amparo, cuidado e atenção. Duas possibilidades sobram para tal operação tão nefasta em nossa personalidade: revolta ou uma surpreendente compaixão para com os genitores responsáveis por tais mazelas, afetando quase que por completo o núcleo da autoestima da pessoa. Claro que não estou pregando a primeira via, mas que o indivíduo tem o dever de superar este conflito interminável e avassalador de seu amor próprio.
Outra companheira fiel da infelicidade é a insegurança, pois esta última requer uma atenção constante e quase que por completa, drenando a energia que seria liberada para o prazer ou determinação que nos trazem confiança própria. Outro elemento potencializador da infelicidade é o medo, já que este tem o dever de construir uma série de obstáculos e barreiras em diversos setores da vida do sujeito. O medo é totalmente o inverso da ousadia, retendo ou afastando justamente aquilo que mais se almeja. O problema é que o medo muitas vezes é confundido com preservação, sendo que esta última deveria ser um estado de maturidade de escolhas, e não um empecilho propriamente dita. O medo é sinal constante de impedimento. A infelicidade é sempre encarada em seu aspecto imediatista, não tenho um carro, namorado, dinheiro como exemplos, só que boa parte se esquece de levar em conta qual foi o histórico do indivíduo que o levou a esse estado de privação ou insatisfação. Obviamente ninguém se torna infeliz em um dia, mesmo com a perda de um ente próximo, a infelicidade é um estado constante de construção de sentimentos mórbidos, e a certeza da negatividade pessoal.
Infeliz se torna uma pessoa que deliberadamente se afasta de determinada meta ao ouvir uma crítica acerca de uma falha comportamental ou profissional. A única boa notícia é que tal estado não necessita ser eterno, basta aprender a reagir adequadamente às suas frustrações e medos, sendo este o objetivo central da psicoterapia. Perante a crítica sobram a revolta ou retirada completa da pessoa diante de determinado desafio. No primeiro caso fica a hegemonia da agressividade e o conseqüente rótulo de pessoa que maltrata seus semelhantes, no segundo tal agressividade é dirigida contra a própria pessoa, através da sabotagem nos mais diversos campos: sintomas psicossomáticos, depressão, ansiedade, atos obsessivos. Já está mais do que na hora de se tocar fundo na questão, infelicidade é o medo perante a possibilidade real de se efetuar determinada necessidade ou desejo, e não a ausência de algo como todos pressupõem. O maior obstáculo na conjuntura da infelicidade é o medo do compromisso e a responsabilidade que a pessoa não quer assumir. A preguiça e indolência sempre foram às sombras da normalidade em nossa vida. Como não há uma obrigação no lado pessoal, há uma convergência de todo o protesto de nossa alma, perante obrigações diárias que viram tortura sobrando para o afetivo uma espécie de liberdade que nada mais é do que fuga ou ausência, ou seja, o protesto citado vira uma preguiça completa no lado íntimo, pelo stress da vida moderna. Porque se deveria trabalhar para o amor, quando a sociedade não está nem um pouco interessada nesse sentimento?
Um dos problemas da infelicidade é sua origem do ponto de vista psicológica. Pensemos na revolta, a mesma acaba gerando uma espécie de imitação daquele comportamento que mais se detesta, sendo esta uma revelação freqüente dos pacientes acerca dos pais ou cônjuges, imitando tudo o que não se gosta do outro. Tudo isso gera também um compromisso com o ódio que se acaba voltando totalmente para a pessoa em si. Muito maior do que seu passado pessoal de privação afetiva ou desamparo é o poder supremo da repetição, que não seria meramente algo genético, mas é da natureza do ser humano sem dúvida alguma imitar, pois a necessidade de modelos durante seu desenvolvimento é vital, mesmo que tenham causado dor e angústia. Poderíamos até introduzir aqui o conceito de uma das maiores realidades do ser humano: imitação, repetição versus criatividade. Depois de tantos anos de observação clínica posso ousar em dizer de que a única cura para o clássico conceito de FREUD da compulsão para repetir o que mais se detesta, é a ousadia de romper com a histórica e arraigada necessidade de dependência que carregamos. Não que esteja pregando o isolamento e solidão, mas o mal maior é sempre o medo oculto ou não de caminhar sozinho e resolver seus dilemas, quebrando um pouco aquele vício de culpar o passado por sua mazela emocional. A espera ou sentimento de injustiça gera os ingredientes mais homicidas da potencialidade do sujeito. Claro que sempre foi muito mais difícil inovar, sendo que o grande mal é se deleitar com o sofrimento ou a certeza de um histórico tão triste. Seria prudente ao invés de todos se concentrarem num histórico familiar de insensibilidade, descobrir realmente o que é gostar.
Infelicidade pode ser medida como cada ser humano lida com seu lado destrutivo, e principalmente àquele compartimento secreto de afastar justamente as pessoas que mais lhe trariam prazer e felicidade, fazendo um pacto não apenas com a solidão, mas principalmente com a angústia e sofrimento. Não existe medo de amar, mas sim o pânico da culpa ou sentimento de dívida para com o outro. Como diz um grande colaborador de meus textos, o sofrimento norteia a vida de um sujeito neurótico, lhe dando um motivo de viver sem perceber suas contradições. Mas o que é sofrer? Sem dúvida morte de parentes, doença, tragédia, mas e quando não existem tais elementos? A intolerância à frustração é mais do que moda em nossos tempos, assim como o tão propagado toc (transtorno obsessivo compulsivo), apenas um novo nome para a neurose clássica da mesma categoria (obsessão e compulsão). A obrigatoriedade das coisas seguirem um curso rígido determinado pela mente da pessoa, nada mais é do que a síndrome da exatidão do cálculo ou racionalidade para encobrir todo um histórico de deficiência afetiva. Almeja-se uma ordem fanática onde não existe nenhuma no âmbito pessoal. A infelicidade é a não definição de um caminho para o prazer, seja pelo radicalismo colocado acima, seja por uma rotina entediante mascarada por um estilo de vida saudável, ou a ansiedade ou compulsão para as drogas, em todos os casos não há elementos que norteiam a satisfação do indivíduo, apenas válvulas de escape. O prazer tão pregado por FREUD seria em nossa época atual a capacidade de atrair uma cumplicidade não apenas de gostos ou interesses, mas uma pessoa comprometida também com uma jornada única de descoberta da alegria mesmo com tantas adversidades. Infelicidade passa a ser o equívoco absurdo de não se desculpar a si próprio por uma atração de pessoas ou coisas negativas no passado. Seria uma espécie de atestado mórbido contra as mais íntimas raízes da própria pessoa.
Será que para sermos felizes tudo teria que sair conforme planejado? Infelicidade não passa também por diversas vezes acontecer de atrairmos pessoas que deixaram seqüelas e atribulações, por menores que fossem? Embora temos de esquecê-las como disse acima, a infelicidade não é e nunca foi um acontecimento de desconforto, mas um padrão ou rotina de insucesso sentido profundamente pela pessoa. Talvez a definição suprema da infelicidade seja a incapacidade de nunca experimentar o divino: amar, tentar realmente ajudar e salvar alguém ou a si próprio, nunca atingir um lado profissional de genuíno empenho e satisfação. Há uma radical diferença entre aquelas pessoas que não tiveram êxito da pessoa infeliz propriamente dita. O primeiro tipo lida melhor com a questão do prazer, embora jamais consiga um projeto duradouro de satisfação e tranqüilidade. Já o infeliz descarta por completo o princípio do prazer citado, se concentrando apenas numa rotina massacrante desprovida de sentido. A semelhança entre ambos os tipos são suas atitudes negativas que os afastam da consecução plena de um projeto de vida saudável e coerente com um padrão de felicidade.
Os timoneiros da infelicidade podem ser vários: depressão, stress, rotina, doença psicossomática dentre outros. O fato central é que infelicidade é a incapacidade de superar não apenas os traumas do passado, mas o de gerações anteriores, dando um atestado final que em nossa época também não conseguimos lidar com as contradições. Mas porque o pacto com um passado de infelicidade é mais forte do que a possibilidade de satisfação no presente? Primeiramente por conta de que como mostrou FREUD, as experiências infantis são as mais marcantes na história do ser humano, segundo, a dívida com os pais pela dádiva da vida, mesmo que os mesmos não tinham sido um bom modelo para a criança, terceiro e mais complexo de todos, o sentimento de culpa de ter de afrontar a autoridade máxima que são os genitores. Obviamente a culpa é o elemento máximo que formou a cultura nos últimos milênios, sem a mesma a barbárie estaria imperando o dobro do que vemos na atualidade. A culpa é um freio poderoso e necessário não apenas para refrear atos impulsivos destituídos de sentido, mas para proteger o indivíduo do mais legítimo herdeiro do caos, o arrependimento, a culpa evita um pouco este último. A culpa é o verdadeiro pilar do estado de direito moderno, é a prova que o humano ainda resiste no sentido pessoal pensando no outro, a culpa é o pai da compaixão.
O lado destrutivo da culpa é o pacto de imitação ou dever com alguém que se recusou ou pelo menos nem tentou o caminho para uma felicidade pessoal. Voltando ao conceito da compulsão a repetição de FREUD, o mesmo percebeu que num determinado momento à repetição de acontecimentos negativos não era mais para liberar uma libido reprimida, ou relembrar o trauma em si, mas tão somente um gosto genuíno pelo caos, THANATOS, instinto de morte na terminologia grega. O conceito embora um dos mais polêmicos continua incrivelmente atual, pois em determinada etapa do sofrimento ou histórico de infelicidade nos deleitamos simplesmente em repetir por repetir uma tortura contra nosso próprio ego. Tudo começa com um inesperado corte ou repressão de um prazer que mal estava se começando a vivenciar, daí vai se formando um padrão, rotina ou até uma espécie de entidade que nos diz que as coisas sempre acabarão da mesma forma, esse processo dura anos até se cristalizar. Dois pontos são fundamentais, primeiro, se descobrir na psicoterapia a grande experiência frustrante se é que há apenas uma, o que realmente nos chocou e tirou a órbita de nossa tranqüilidade e autoconfiança; segundo, quando realmente adquirimos o padrão da autodestrutividade e desânimo, este último então é um dos mais difíceis de ser debelado, pois qualquer fonte de esperança, estímulo ou pensamento positivo jamais foi páreo para as trevas do medo, angústia, solidão e desamparo. Temos de tomar muito cuidado, pois se não descobrirmos o real epicentro de nosso sofrimento, o mesmo torna-se nosso DEUS diário.
Será que infelicidade passaria por uma impotência em mudar todo o quadro alienante de nossa era? Jamais, o problema não é nos considerarmos pequenos frente a tantas injustiças, mas o que não podemos fazer é se deixar arrastar ou seduzir pelas mesmas. Uma real e profunda análise sobre a mensuração da infelicidade passam conclusivamente pela dificuldade histórica da pessoa em proporcionar felicidade e satisfação a alguém. Antes de reclamar do deserto emocional de nossa vida, o quanto da energia afetiva sempre estivemos dispostos a doar? A mais sombria realidade interna não é uma incerteza sobre nossa capacidade de sedução ou de envolver alguém, mas sobretudo daquela má vontade, indolência e distanciamento e o não comprometimento com a felicidade do outro, como disse. A tristeza é sinônima absoluta desse processo, a depressão a radicalização do mesmo. Infelicidade também é a terrível seqüela oriunda da necessidade de segurança e medo cultivados a cada segundo de nossa vida moderna.
Infelicidade seria também envelhecer, não no sentido literal, pois tal acontecimento é mais do que natural, mas ficar velho no sentido da perda da motivação e empenho para enfrentarmos os terríveis desafios de nossa vida cotidiana, não estou falando da depressão, mas sobre o stress moderno que nada mais é do que a baixa energia para nosso combate diário para obtermos satisfação e prazer. A raiva ou ódio coloca um incrível dilema sobre a humanidade: o súbito, a defesa, o direito de se sentir contrariado é mais do que natural, porém, desconsidera por completo a potencialidade de transformação do outro, seja para modificar os acontecimentos, ou uma transformação pessoal. Que quase nunca perdoamos é um fato, mas também não percebemos as implicações em nosso desejo profundo e todo o mal interno por manifestarmos um radicalismo tão intenso. Obviamente é vital sabermos o momento exato do rompimento, mas não esquecemos também do prazer que determinada pessoa emana para nossa alma, este é um terrível conflito que assola nossa afetividade tão conturbada e doentia. Cabe aqui inserir uma questão um tanto mística, diria, tipo a sorte ou azar. A primeira não deixa de ser algo que não foi comandado diretamente pela pessoa mas a ajuda a superar uma barreira que poucos conseguem cotidianamente, já o segundo se torna um padrão de vida seja pelo pessimismo que todos conhecem de alguém, ou o medo falado anteriormente de realmente encontrar algo especial e ter de lidar com o compromisso. Podemos falar, acreditar e até louvar a palavra destino, mas mesmo assim é fundamental a autocrítica momentânea acerca de quanto estamos realmente fazendo no presente para trabalharmos efetivamente nossos problemas. Não quero dizer com isso que é mais fácil colocarmos a culpa em alguém ou algo fora de nós como todos gostam de dizer quase que diariamente, embora tal conceito não esteja errado, o fato é a simplificação não apenas de tal análise e respectiva solução, pois os outros podem nos fazer muito mal. Novamente neste ponto irá se inserir outro conceito popular, dizendo que o individuo tem que querer realmente a transformação, o que de novo não estaria incorreto, mas incompleto. O desejo de mudança talvez não passe exclusivamente por uma força de vontade íntima, ou oportunidades externas efetivas, mas por uma conjunção de fatores onde o lado interno encontra amparo e eco para a difícil tarefa de superar dilemas tão arraigados na personalidade. A esperança não é a repetição exaustiva de frases de efeito ou um otimismo vulgar, mas a descoberta precisa da necessidade de insistir na superação de algo que não deu certo sem o abatimento ou desânimo tão comuns nestes casos.
Alguns talvez tenham essa força ou energia descrita instintivamente, outros talvez necessitam aprendê-la, e um terceiro grupo simplesmente se recusa a ouvir falar do fenômeno optando pela pura desistência. Descobrir o que traria felicidade é tarefa árdua e quase que impossível em nosso cotidiano, à prova básica disso é que tanto o dinheiro quanto a pobreza fracassaram seja no preenchimento ou no vácuo. Há muito tempo a grande incapacidade das pessoas se reflete na real avaliação com precisão do que seriam realmente seus desejos ou necessidades afora o básico. O vírus da inveja é uma praga que cria uma barreira quase que intransponível com o íntimo do sujeito, que passa a tomar emprestado dos outros o prazer ou ambição. A ficção acaba sendo a versão fantasiosa do real. A vida representa sempre a finitude e a perda. Apenas quando éramos crianças havia um sentido ou pelo menos pouca rebelião por se seguir uma rotina. Quando adquirimos uma certa autonomia ou liberdade juntamente com a decepção de nossos desejos emergentes, aprendemos a compensar nossa frustração seja com materialismo, esporte radical, drogas entre outros. Onde estaria a satisfação ou o real controle da ansiedade? Sem dúvida a resposta já é um tabu, mas vivemos o dilema diário entre material e afetivo, este último já não atrai quase que ninguém, o primeiro é o grande chamariz de nossa atualidade. Infelicidade sempre será o desconhecimento acerca de sua pessoa e falta de sintonia com sua percepção. Muitos ainda acreditam que atraem todo tipo de coisas negativas, obrigando uma reflexão profunda acerca de que quando tudo caminha em sua direção, talvez há uma teimosia de se seguir na contramão, ou então seria destino, predestinação ou coisa do tipo? Que somos teimosos não há dúvida, assim como projetamos todo o horror de nossa infelicidade pessoal em movimentos sociais ou alienação pessoal. Fracasso é uma espécie de sonho irreal ou utópico que a pessoa insistiu em cultivar por anos, talvez com o objetivo de afastar-se do que lhe causa medo.
Mas agora é necessário um pouco de radicalismo no sentido de alcançar alguma solução para o problema. Todos estão cansados de respostas óbvias, apesar de consumirem ferozmente livros de auto-ajuda, e tudo continua na mesma, essa é que é a verdade. A transformação infelizmente sempre se dá pela dor, e é isso que todos fogem ou evitam, querendo ganhar tempo ou um pouco mais de prazer da ilusão que criaram para si próprios. Parece que todos se encontram como um indivíduo drogadicto, que necessita de um choque para voltar sua órbita normal de vida. Mas a grande pergunta é quem ou o que poderia proporcionar tal revolução? A aceitação da crítica é crucial para conseguirmos algo, pois a mesma serve não apenas para domesticar e também transformar uma idéia bruta ou extremista que só afasta a pessoa de suas reais necessidades. A verdade resume-se no seguinte fato: somos muito piores em relação a quem condenamos, e muito melhores perante os que nos julgam. Todos algum dia pelo menos chegaram próximos da satisfação, seja pela suposta alma gêmea ou em algum outro setor da vida. A questão crucial é uma tremenda falha na administração e duração de tal evento. Responsabiliza-se geralmente a ansiedade por tal fato, a considerando mãe natural da frustração ou insatisfação. Ouvi certa vez um relato de uma paciente minha que dizia que ao ingerir drogas se tornava igual à família que detestava; confesso que num primeiro momento fiquei surpreso com tal afirmativa, mas percebi que determinado vício tinha a característica de continuar ou despertar algo repetitivo extremamente negativo no inconsciente do sujeito. A mesma dizia ainda que o amor é o começo da enganação perante o outro e sobre o próprio sentimento, dizendo que este último não deveria ter nenhuma obrigação de retribuição. Em sua fase de abstinência só pensava em como negava o prazer. O fato é que a mesma jamais se deu conta que sua problemática era uma defesa extrema contra a real possibilidade de se entregar na esfera afetiva, apesar de seu doloroso histórico de traumas nesse âmbito, a vida ainda insistia em lhe mostrar algo de positivo ou concreto, o que desejava negar a qualquer custo. Ficar em paz lhe era proibido, pois o tormento preenchia um vazio não apenas existencial, mas a certeza de que não teria o trabalho ou dever de cultivar algo saudável, coisa para a qual nunca foi treinada. Na verdade o amor nunca foi bem utilizado diria, no passado havia o fantasma da submissão principalmente da mulher, hoje o terror é a possibilidade de rejeição e abandono por parte de ambos os sexos.
Fica então a pergunta repetitiva sobre o que realmente é a infelicidade em nossos dias? Claro que o dinheiro é o principal elemento que mascara a resposta, não é por acaso que todos o procuram. Não se servir de seu lado íntimo ou pessoal virou uma regra, e esta deveria ser a principal denúncia estampada sobre o nosso cotidiano. As desculpas são imensas, excesso de trabalho, responsabilidades, cuidar de filhos, porém todos sabem o quanto renegam seus reais deveres. O significado do carinho, bondade, ou novamente o amor não é obrigação de qualquer lei ou constituição, ficando facultativo à determinada religião ou opção pessoal de cada indivíduo. Não que esteja necessariamente pregando uma obrigação, mas é um tanto estranho um elemento tão importante estar de fora em nossa era. Podemos afirmar então que infelicidade é absoluta sinônima da insegurança, seja o receio da exclusão econômica e social, ou da incapacidade e relutância de nos doarmos no âmbito pessoal; a herança do consumismo em nossos dias é a exagerada desconfiança, pois afinal de contas porque Algo deveria durar? Infelicidade é uma grande incapacidade em lidar com a competição, inveja, segregação, sendo que tais elementos são extremamente perniciosos para a auto-estima da pessoa. Mais uma vez insiro a questão da ansiedade, sendo que a mesma é “se comer vivo” esperando numa idéia quase que deliróide o que seria de direito da pessoa. Mas porque a fantasia toma tanto tempo das pessoas? E também porque observamos o contrário, pessoas que não desejam mais fantasiar, mas apenas tirar algum proveito de determinada situação? A pergunta central na questão do autoconhecimento é quando realmente seu real sonho foi assassinado? Seria a tão simplista resposta do trauma? Será que entraria uma falha de caráter, termo preconceituoso inserido por pessoas que desconhecem a real natureza do ser humano? Segundo alguns o grande alicerce ainda é a questão da família e suas problemáticas: pouco afeto, preocupação excessiva com tarefas e afazeres domésticos, apenas a habilidade de conversar sobre trabalho, achar que cuidar é necessariamente transferir para o lado material alguma dificuldade ou recusa no âmbito pessoal. Quando é que alguém irá assumir seu subdesenvolvimento afetivo?
Outro ramo da infelicidade é a questão da competição, a mesma é pura adrenalina, desafio, instigando a subida e sucesso material, porém, poucos percebem a dialética de tal fenômeno, pois o mesmo irá transportar para o lado pessoal tudo que se vive no profissional: agressividade, rancor, solidão, medo dentre outros. A competição sempre será a responsável pelos maiores fracassos no lado humano, pois sempre implica na aniquilação emocional do outro. Mas sejamos sinceros, neste mundo de extrema competição necessitamos sobreviver ou ganhar mercado, novamente tais animosidades irão se transferir para o aspecto íntimo. Não há tela de proteção entre o exterior e o lado afetivo, assim como a própria família irá sofrer em sua base todo o processo de exclusão social que vemos no âmbito econômico, seja por um filho se sentir menos amado, ou por pura revolta de determinada frustração. O verdadeiro autoconhecimento ou processo de transformação não deixa de ser aquela maturidade adquirida com toda a bagagem de frustração e decepção que vivenciamos, sendo que enfim podemos realmente distinguir o que realmente importa. O ponto exato se dá na seguinte questão: o trauma por si só não é um elemento de infelicidade, mas o catalisador futuro de experiências degradantes e frustrantes que o próprio indivíduo irá exigir vivenciar. “Necessito ser infeliz para provar ou fazer corriqueiramente certo inventário acerca de todo o sofrimento vivido”, esta é a regra, sendo que a trava da criatividade é o colocar o passado o tempo todo num altar.
Por fim cabe uma distinção entre tristeza, infelicidade e depressão. A primeira é totalmente passageira, sendo que as duas últimas são processos extremamente estruturados na personalidade do indivíduo, um verdadeiro estilo de vida. Pensa-se que o lado econômico melhora a qualidade de vida, sendo que na maioria das vezes é justamente o contrário, é só olharmos o caos urbano ao nosso redor. O lendário ALDOUS HUXLEY em sua obra “admirável mundo novo”, profetizou o uso da pílula da felicidade, aliviando qualquer tipo de insatisfação, hoje temos remédios e antidepressivos, embora seja contra o uso da medicação em boa parte dos casos de neurose, mesmo esse aparato farmacológico não será suficiente para dar conta de todo o caos citado e ansiedade decorrente de nossos hábitos ou medos atuais. Ou promovemos mudanças radicais em várias áreas sociais, institucionais e psíquicas, ou tudo será uma corrida em vão contra algo que irá paulatinamente consumindo o mais profundo espírito ou desejo humano.
Texto totalmente escrito através da experiência clínica do autor.
PSICÓLOGO ANTONIO CARLOS ALVES DE ARAÚJO- C.R.P. 31341/5- TERAPIA DE CASAL , INDIVIDUAL E SEXUALIDADE - RUA ENGENHEIRO ANDRADE JÚNIOR- 154- TATUAPÉ- SÃO PAULO- SÃO PAULO- TELS 26921958 / 93883296
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